Em setembro de 2018, a decoradora Denise Nunes passou pelo que chama de “situação mais agoniante da vida”. Recém chegada a Porto Alegre (RS), precisava ter a voltagem da fiação do apartamento alugado mudada de 110V para 220V, para poder usar os eletrodomésticos e aparelhos eletroeletrônicos de uso pessoal que trouxera do interior catarinense. Recebeu um “faz tudo” indicado por um morador do prédio e não foi legal. (mdemulher)
“Quando ele notou que eu morava sozinha, começou a fazer perguntas inadequadas. Se eu tinha namorado na minha cidade ou em Porto Alegre; quando falei que era noiva, ele disse que eu não ia aguentar ficar ‘na seca’, já que meu noivo mora em Santa Catarina. Daí pediu para usar o banheiro e saiu de lá fechando a calça na minha frente. Foi horrível”, lembra.
A partir dali, ela começou a fingir que estava ao telefone com o noivo, fazendo perguntas imaginárias sobre o conserto. E decidiu que, daquele dia em diante, procuraria mulheres para arrumar qualquer coisa em sua casa – ou então aprenderia ela própria a mexer em fiações e encanamentos.
Medo de abrir a casa para um homem desconhecido
O medo de Denise está longe de ser um caso isolado. Cofundadora da mAna Manutenção, empresa que fornece serviços de consertos domésticos feitos de mulheres para mulheres, a arquiteta Katherine Pavloski conta que seu público é composto por mulheres de todas as idades, solteiras ou casadas, que têm em comum o fato de estarem sozinhas quando recebem as funcionárias e não se sentirem bem para abrir a casa para um homem desconhecido.
“A própria mAna nasceu porque a Ana Luísa, fundadora da empresa, sofreu assédio de um entregador de gás em 2015 e resolveu começar a oferecer serviços de manutenção doméstica só para mulheres pelo Facebook”, conta. Animada ao ver isso em um grupo, Katherine entrou com contato com Ana e se ofereceu para ser sócia da empreitada.
Deu certo, e hoje elas são oito mulheres atendendo o público feminino para serviços como manutenção de fiação elétrica e tomadas, troca de resistência de chuveiro, pintura de paredes, montagem de móveis e até para pendurar quadros. Além disso, elas dão cursos duas vezes ao ano para ensinar o básico para mulheres que queiram elas próprias colocar a mão na massa no dia a dia.
Rede exclusivamente feminina
Na serra gaúcha, a técnica em edificações Elis Regina Soccomo mudou de ramo e começou a trabalhar como faz-tudo para mulheres depois de cansar de ouvir relatos de amigas e conhecidas que haviam sofrido assédio em situações como as que já descrevemos. “Faço parte da minoria de sorte que nunca passou por isso, mas estava me fazendo mal saber de todos aqueles casos e não conseguir ajudar. Então pensei: ‘Opa, mas EU sei consertar, por que não atender as manas?’”, diz.
Elis trabalha apenas sob indicação de amigas ou clientes, por ela própria ter medo de ser vítima de alguma pegadinha de homem. “Às vezes me chamam de paranoica, mas não consigo ficar tranquila. Da mesma forma que existe o medo de mulheres receberem trabalhadores homens em casa, nós, trabalhadoras mulheres, temos o direito de não nos sentirmos à vontade sozinhas na casa de um homem. Acho péssimo, mas essa é a realidade. Enquanto a violência contra a mulher não diminuir no Brasil, a tendência é que a gente se feche em grupos femininos mesmo”, finaliza.
Mulheres que consertam para mulheres pelo Brasil
A seguir, confira cinco serviços pioneiros de mulheres que trabalham com consertos para o público feminino:
– mAna Manutenção (São Paulo)
– Manas à Obra (São Paulo)
– Ela Repara (Rio de Janeiro)
– Mari Donas (Curitiba)
– Entre Minas (Salvador)